Um ensaio sobre o bom gosto: o caso DreamWorks
Por Celbi Pegoraro
Se você realmente curte animação, certamente presta atenção em alguns detalhes técnicos e artísticos. Alguns importantes são o design de produção, a direção de arte e o design de personagens, peças fundamentais no desenvolvimento visual e no equilíbrio artístico de todo o filme.
A DreamWorks, foco desta discussão, sofreu muito nesse quesito desde as suas primeiras animações, “FormiguinhaZ” e “O Príncipe do Egito”. Ambos são filmes interessantes e com boa animação, mas que sofreram com o que depois seria descrito como uma síndrome da feiúra ou do mau gosto. Em geral critica-se que o design dos personagens é “feio” e que os coadjuvantes (muitas vezes gerados em CGI) são “horrorosos”.
Com uma exceção distinta dada a “O Caminho para El Dorado”, a DreamWorks penou para buscar um estilo que a diferenciasse do padrão Disney, ainda que mantendo em alta a qualidade técnica da animação. Houve um investimento forte no desenvolvimento de novos efeitos para animação.
Sem dúvida, a água animada digitalmente pela DreamWorks é sempre vista como um capítulo a parte, seja em “O Príncipe do Egito”, “O Caminho para El Dorado” ou “Spirit – O Corcel Indomável”. Ainda que esta água, por vezes, destoe da animação tradicional em volta. E por mais que o design, no geral, não agrade a todos, é preciso elogiar o trabalho dos animadores (com destaque para James Baxter, Dave Brewster, Kathy Zielinsky, Rudolph Guenoden, Pres Romanillos, entre outros).
Outro investimento, talvez para buscar um padrão, foi o investimento em estrelas de Hollywood para as vozes dos personagens. A idéia em si não é nova. Disney já fazia isso há décadas. Mas a DreamWorks começou a colocar as vozes na linha de frente do marketing. Os brasileiros devem se lembrar do curioso episódio de “Sinbad: Lenda dos Sete Mares” ter cartazes destacando a voz de Brad Pitt – mas por aqui só tivemos cópias dubladas! Por força do contrato os pôsteres foram distribuídos assim mesmo.
A partir de “Shrek”, o foco do estúdio passou também a ser o investimento maior em comédias repletas de referências atuais e piadas nem sempre de bom gosto. Qual o problema disso? É que o uso desenfreado das referências atuais pode comprometer o ritmo do filme. Ou pior, torná-lo datado. E um dos grandes desafios da animação, ainda que não seja regra, é fazê-la atemporal. O público então foi brindado com mais produções de gosto duvidoso como “Shrek 2”, O Espanta Tubarões” e “Shrek Terceiro”.
“Madagascar” pode ser visto como um divisor de águas. O filme tem as gags de referência, ainda apela para vozes famosas, mas finalmente a DreamWorks abre espaço para um visual realmente diferente e de bom gosto. No caso, “Madagascar” contou com a direção de arte de Shannon Jeffries, design de produção de Kendal Crokhite-Shaindlin, e design de personagens de Nicolas Marlet (falarei mais dele daqui a pouco).
Com ajuda de Jerry Seinfeld, “Bee Movie – A história de uma abelha” (2007), consegue a façanha de ser uma comédia melhor do que a média do estúdio, ainda que o visual do filme seja um tanto banal para uma animação computadorizada. Mas funciona! O design de produção foi de Alex McDowell e a direção de arte de Christophe Lautrette.
Agora o que acontece se juntarmos uma boa história, bom roteiro com boas gags, e um ótimo design? Teremos um filme de bom gosto, certo? Exato! E a DreamWorks conseguiu isso finalmente com “Kung Fu Panda”. O filme de 2008 tem design de produção de Raymond Zibach e direção de arte de Tang Kheng Heng.
“Kung Fu Panda” não é uma comédia no mesmo estilo das animações anteriores da DreamWorks, mas tem uma boa história e é tecnicamente impecável. Mesmo com vozes famosas de Hollywood, isso não comprometeu o desenvolvimento dos personagens. Fora isso, conta com trechos em animação tradicional como o início e o final, além do material produzido para o DVD.
Agora guardem este nome: NICOLAS MARLET. Ele foi o designer dos personagens em “Kung Fu Panda” e fez um trabalho incrível. Marlet foi animador no filme “Duck Tales – O Tesouro da Lâmpada Perdida” da Disney, “We´re Back – A Dinosaur Story” e “Balto” da Amblimation. Trabalhou como designer de personagens em vários filmes da DreamWorks e também em “O Bicho vai pegar” da Sony Animation. Mas foi em “Kung Fu Panda” que podemos ver seu trabalho de forma mais latente.
Sendo esse for um bom sinal, é esperado que vejamos mais produções com bom gosto no design de personagens e de produção. Basta lembrar que Chris Sanders (“Lilo & Stitch”) trabalha em dois projetos na DreamWorks e foi um dos responsáveis por um visual diferente na Disney.
E melhor ainda para a DreamWorks é a presença de JOE MOSHIER, designer que deu uma guinada artística na Disney. Podemos ver muitos exemplos do trabalho de Moshier nos personagens de “Nem que a Vaca Tussa”, “O Galinho Chicken Little”, “A Nova Onda do Imperador” e “A Família do Futuro”.
Se a DreamWorks já descobriu que é possível produzir um filme sem tantas gags de referência e sem depender tanto de estrelas de Hollywood, agora só resta apostar na diversidade visual de seus filmes. E fazer com que os atuais talentos possam surpreender assim como os velhos mestres Chuck Jones, Milt Kahl, Tom Oreb, Bill Peet, etc. É fazer animação com bom gosto!