"A Princesa e o Sapo" marca o recomeço da animação tradicional Disney
Por Celbi Pegoraro
"A Princesa e o Sapo" marca o retorno da Disney ao mundo da animação 2D, ou como prefiro chamar, animação tradicional (o último filme usando a técnica foi "Nem que a Vaca Tussa" de 2004). Trata-se de uma adaptação livre do conto de fadas "O Príncipe Sapo".
Além disso, sua protagonista se torna a primeira princesa negra da história da animação. E para cortar informações erradas, essa opção não teve nada a ver com a posse do presidente Barack Obama - o filme estava em produção antes disso.
Com o mercado repleto de animações computadorizadas, a Disney teve em mãos vários dos melhores animadores tradicionais - Andreas Deja (Mama Odie), Mike Surrey (Ray), Eric Goldberg (Louis), Bruce Smith (Dr. Facilier), Mark Henn (Tiana), entre outros.
O resultado é que a animação é tecnicamente impecável. Detalhes como a Charlotte arrumando o busto, o Dr. Facilier cutucando o nariz e a fluidez do crocodilo Louis, mostram o poder da atuação na animação tradicional.
Isso não significa que o filme não tenha problemas. John Lasseter, mente criativa por trás da Pixar, ainda não conseguiu transmitir toda a sua "magia" (ou o que seja) ao estúdio de Mickey Mouse, e o resultado é um filme conservador - e bem no estilo dos diretores John Musker e Ron Clements. Felizmente, o filme está mais próximo de "A Pequena Sereia" do que de "Planeta do Tesouro". O prólogo, antes da canção "Down in New Orleans", é carregado de sentimentalismo - até um pouco forçado, mas que serve para reforçar a idéia das origens da Tiana e do "fazer um pedido para a estrela".
As canções de Randy Newman se tornam mais potentes no cinema, e o ritmo do filme é razoavelmente ágil. Talvez alguns possam não gostar de jazz, zydeco e outros ritmos, mas não dá para reclamar de que as canções não estejam inseridas na narrativa. Por outro lado, Newman foi menos criativo com a trilha incidental que, em muitos trechos, pareceu um repeteco de temas já ouvidos em "Toy Story".
Uma decepção? O crocodilo Louis é o personagem mais sem graça do filme. Mas é bom dizer que a animação do crocodilo é genial (e ele tem algumas boas piadas), assim como de outros personagens. Mas quem rouba a cena é justamente aquele que diziam ser o chato - o vagalume Ray, responsável por boa parte das risadas no filme. Impactante é sua relação com a Evangeline. Outro destaque surpreendente é a hiperativa personagem Charlotte, muito mais engraçada e atuante do que os trailers mostravam.
O Dr. Facilier já se tornou permanente no hall dos melhores vilões já criados na Disney. Concebido como uma espécie de híbrido de Capitão Gancho e Cruella de Vil, o estiloso vilão usa seus poderes para ajudar o príncipe Naveen a ganhar dinheiro e, ao mesmo tempo, ajuda seu assistente Lawrence a realizar seu maior desejo (que não irei revelar aqui). A consequência do vodu irá guiar todo o ritmo do filme. Para ficar mais perfeito, talvez Facilier devesse ser um pouco mais cômico (estilo Jafar), mas é notável que todas as suas cenas são interessantes. E seus Amigos do Outro Lado são realmente assustadores.
A direção de arte é impecável, desde os vários ambientes da cidade, o Carnaval, as sequências no pântano e o clímax no cemitério de Nova Orleans. O uso das cores é muito criativo, e é difícil esconder o sorriso ao ver cenas mais estilizadas como na canção "Almost There" (Quase Lá). Enfim, é um filme tipicamente disneyano com muitas das fórmulas consagradas misturadas.
Faltou apenas um pouco mais de grandiosidade em algumas sequências. O filme se passa tanto tempo no pântano e, no entanto, as cenas do Carnaval são muito curtas. O mesmo vale para a Mama Odie, ótima personagem, mas com participação bastante limitada.
Da versão dublada, a maior crítica vai mesmo para as canções que, provavelmente por conta da adaptação, perdeu um pouco da métrica. Fora isso, certas partes estão incompreensivas, mesmo ouvindo no cinema. A adaptação também perdeu algumas referências do original, como quando Facilier comenta que vê "dindim" no futuro do príncipe Naveen. No original, o feiticeiro vê o futuro "verde", em alusão ao príncipe se tornar sapo. Por outro lado, o ator Rodrigo Lombardi está muito bem como a voz do príncipe (no original, voz do brasileiro Bruno Campos), e a escolha da maioria das vozes foi acertada.
Além disso, vale lembrar que o estúdio brasileiro HGN (do Haroldo Magalhães) participou da produção auxiliando na parte de limpeza, pintura, composição e intervalação. A equipe mostrou muita competência e esperam-se novas participações em futuras produções.
"A Princesa e o Sapo" é uma ótima diversão também para o entusiasta disneyano. Há várias referências (várias provavelmente involuntárias) ligando aos clássicos, desde a cena da estrela remetendo a "Peter Pan", um Zip-a-Dee-Doo-Dah de "Canção do Sul", uma curiosa cena do Louis fazendo movimentos típicos da Madame Min ("A Espada era a Lei") e algumas cenas do pântano semelhantes ao de "Bernardo e Bianca".
De todo modo, "A Princesa e o Sapo" é um excelente recomeço. E abre as portas para os próximos filmes em animação tradicional como o do ursinho Pooh e "A Rainha da Neve". O bom sinal é que, pelo menos nos cinemas de São Paulo, parece ser comum o público bater palmas ao fim da animação. Coisa rara no passado recente. Tomara que o pessoal na Disney siga as dicas da Mama Odie e "cavem mais fundo" para nos brindar com belos filmes.