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A problemática da ideologia das personagens

A problemática da ideologia das personagens

por Celbi Pegoraro

Acompanho nos últimos dias a inflamada discussão sobre um artigo do jornalista Dioclécio Luz, publicada no site do Observatório da Imprensa. O artigo em si não tem nada demais (já vimos isso antes). Mas o que chama atenção é como as pessoas ficaram inflamadas e começaram a rebater e querer massacrar algo que está numa sessão "Jornal de Debates" e ainda com um destaque HQ & Ideologia (repito.. HQ e IDEOLOGIA). Aliás, escrevo sobre isso porque não aguento mais receber e-mails perguntando minha opinião.

Eu sou jornalista e pesquisador, adoro boas pesquisas e estudos bem feitos. Dito isso, é preciso conhecer bem os tipos de artigos que vemos pela frente. Quando já nos deparamos com algo ideológico, as pessoas precisam ter em mente que é algo com um viés muito particular, ou seja, não vai agradar todo mundo - é como a pessoa A torcer pelo Corinthians e a pessoa B pelo Palmeiras.

Temos apenas 3 alternativas:

1-) compreender a argumentação e concordar;

2-) compreender e discordar; ou

3-) compreender e ignorar.

Mas atenção ao número 2. Esse discordar não significa massacrar de forma vexaminosa o trabalho. Se a pessoa quer discordar abertamente precisa ter bons argumentos. Senão, o simples ato de "detonar" faz com que a crítica reverbere de tal forma que o artigo, pesquisa ou livro conseguirá muito mais visibilidade do que o autor gostaria ou esperava inicialmente.

Por que isso? Porque a maioria das pessoas que leram estão detonando e divulgando o artigo. Parabéns! É o sonho de qualquer jornalista, acadêmico ou autor. Seu trabalho ser lido pelo maior número de pessoas possível. Ganhou link até neste artigo! E pior, ninguém (ou quase ningúem) apresentou um bom argumento contrário ao dado pelo autor. Dica para quem não gosta de um trabalho, discorda e não quer ficar na "ruminação intelectual rasteira" de só atirar pedras: use a alternativa 3 (leia e IGNORE!). Como diria um amigo historiador francês quando se depara com livros sociológicos, antropológicos e ideológicos que não apresentam nada de novo  - "isso é irrelevante!".

Além do mais, o que o jornalista diz sobre Turma da Mônica não é nada muito diferente do que outros pesquisadores, autores, sindicalistas, políticos e quem quer mais que seja, já falaram sobre Superman, Batman, He-Man e mesmo o universo Disney. As universidades costumam empurrar obras corrosivas como "Tio Patinhas e os Mitos da Comunicação" ou ainda o "Para Ler o Pato Donald". Não perca o seu tempo!

Este último é fruto da pesquisa dos autores Ariel Dorfman e Armand Matterlart no período Allende no Chile. Ele examina a influência exercida pelos produtos Disney na educação e no relacionamento social de crianças de todo o mundo. É uma crítica bem forte em relação ao imperialismo norte-americano, se bem que os autores anos depois acharam que suas ideias estavam exageradas. Isso não só para falar do prefácio cáustico do Álvaro de Moya, que anos mais tarde escreveria "O Mundo de Disney" - livro que eleva a figura de Walt Disney.

Esses livros sobrevivem por anos com base na polêmica e porque os críticos não têm bons argumentos (o tal arcabouço cultural) ou mesmo não têm tempo para perder. O melhor é tentar compreendê-los e ignorá-los. Já os que concordam, resta compreender e concordar. Esse "olha que absurdo!" lembra a repercussão em torno de uma matéria da revista Veja em torno da pesquisa do sociólogo Alberto Carlos Almeida intitulada "A Cabeça do Brasileiro":

O livro traz os resultados da Pesquisa Social Brasileira, um levantamento no qual se investigaram os principais valores presentes no cotidiano social, econômico e político nacional. Enfim, o que se pode denominar de "o pensamento do brasileiro". A parcela mais educada da população é menos preconceituosa, menos estatizante e tem valores sociais mais sólidos. (...)

Nossa, só faltou crucificarem o sociólogo. No final, ele deu várias entrevistas e acabou debatendo no Roda Viva na TV Cultura. Ganhou atenção e sua pesquisa teve um destaque muito maior do que de centenas de outros estudiosos cujos trabalhos ficam mofando nas prateleiras universitárias. Bom para ele! Qualquer estudo e pesquisa são válidos.

Agora para quem apenas bate e xinga, presumo que se continuar nesse passo não vai demorar muito para o senhor Dioclécio aparecer por aí dando entrevistas ou debatendo no Roda Viva. O próximo passo seria a teoria ideológica vingar e ganhar seguidores. Então, senhores críticos, ignorar as vezes é melhor do que apenas chutar o pau da barraca.

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