O Fim da Era Eisner (por Celbi Pegoraro) - Parte I
Por Celbi Pegoraro
No dia 30 de setembro de 2005, Michael Eisner se aposentou após 21 anos como chefe da Walt Disney Company. Eisner teve o segundo mandato mais longo como chairman (após Walt Disney) e como chefe executivo (após Roy O. Disney). Tudo isso merece uma retrospectiva do que ocorreu durante seu período gerenciando a casa do Mickey. Enquanto muitos especialistas e fãs Disney atacaram Eisner por suas decisões erradas, por vezes catastróficas dos últimos anos, muitos reconhecem que os primeiros dez anos como presidente (1984-1994) foi de uma produção fenomenal em todos os campos.
Vamos voltar um pouco no tempo... para 1984. Nessa época, a Disney passava por uma crise medonha e realmente estava quase falindo. Tudo porque administração na época tinha investido errado na companhia, ou melhor, a empresa era conservadora demais. Os parques não recebiam investimentos para novas atrações, os estúdios produziam filmes fracos e a animação não era uma linha de montagem como hoje. Até meados dos anos 80, a Disney só comportava produzir um longa animado por vez (as vezes um curta-animado era encaixado). Muito diferente dos dias atuais onde é possível ter três filmes animados em produção ao mesmo tempo. Sem novas atrações, a visitação nos parques caiu drasticamente... sem filmes bons, o caixa do estúdio ia para o vermelho... e sem animados, os animadores ficavam apavorados com seu futuro. O Caldeirão Mágico, por exemplo, levou dez anos em produção e custou uma fortuna para ser criado - mais de $25 milhões.
Desde a morte do fundador (Walt Disney) em 1967, não havia quem continuasse a guiar os animadores e criar um senso de direção para tudo dar certo. O remédio foi deixar tudo nas mãos de quem mais entendia do assunto: os "Nine Old Men" - os nove artistas que eram mais chegados ao Walt Disney, verdadeiros colegas e amigos que entendiam e conheciam os "segredos" da boa animação. Foi desse modo que eles concluíram Mogli - O Menino Lobo.
Passam-se os anos e esses nove animadores começam a treinar uma nova geração de artistas. Entre eles: Don Bluth, Glen Keane, John Pomeroy, John Musker, Ron Clements, Andreas Deja, e por aí vai... Era uma equipe de jovens artistas em sua maioria recém-saídos da Cal-Arts que tinham grande potencial. Os chefões da Disney tinham medo de seguir novas direções na criação dos animados temendo reação negativa do público e afundamento definitivo no estúdio. Com isso, de 1970 a 1981 passamos a ter filmes muito similares. A falta de liberdade artística aumentou a ira dos aspirantes animadores que se rebelaram. Don Bluth e mais vinte "bons" animadores criaram um êxodo fatal na Disney. Temendo perder mais artistas, o novo presidente da Disney (o genro de Walt, Ron Miller) permitiu que os jovens animadores fossem livres para criar um projeto deles. O Resultado: O Caldeirão Mágico (1985). Um fracasso comercial e de crítica.
Cerca de um ano antes do lançamento de O Caldeirão Mágico, exatamente em setembro de 1984, uma nova administração toma posse. Guiado por Roy E. Disney, ele traz consigo Michael Eisner (então presidente da Paramount) e Frank Wells (ex-presidente da Warner). Eles fazem uma limpeza geral na empresa. Para gerenciar o estúdio, o único que sabia como fazê-lo era Roy E., o que fez com que ele se tornasse vice-chairman do estúdio. Para o dia-a-dia das operações do estúdio, o escolhido foi Jeffrey Katzenberg (colega e amigo de Eisner na Paramount). Gerenciar diretamente o estúdio era supervisionar a Walt Disney Pictures, Touchstone Pictures e as futuras Hollywood Pictures, Miramax Pictures e Caravan Pictures. Obviamente, cada um desses três últimos estúdios possui um sub-presidente que o controla e relata os resultados aos superiores.
O maior trabalho de Katzenberg foi o estúdio de animação (chamado Walt Disney Feature Animation). Como Roy não quis ser a pessoa que controla o dia-a-dia das operações, o cargo coube a Jeffrey - o que se pode dizer é que ele não foi um anjinho nos seus primeiros anos de trabalho. Era um executivo que queria resultados, não conhecia o sistema de trabalho na animação - com isso acabou fazendo o que para os animadores mais velhos é chamado sacrilégio - editar um filme animado, cortar cenas finalizadas.
Depois de arrumar O Caldeirão Mágico, Eisner e Katzenberg supervisionaram os storyboards de O Ratinho Detetive. Graças ao fracasso de filmes anteriores, os executivos criaram um sistema novo baseado na produção de filmes em live-action - escrever roteiros. Mais ainda: Os dois prometeram não fechar o departamento de animação mas com uma regra - que foi dada aos diretores John Musker e Ron Clements: Fazer com que O Ratinho Detetive fosse feito na metade do tempo (ou menos, no caso 18 meses) e que custasse a metade de O Caldeirão Mágico. O filme animado sobre o ratinho detetive custou cerca de $12 milhões, e foi um sucesso espetacular para um estúdio teoricamente falido. Mesmo assim, o animado é recheado por cenas rápidas e algo incomum - cenas estáticas! Katzenberg, ainda sem entender de animação, cometeu erros como não aceitar uma canção de Henry Mancini por achá-la muito antiquada.
Em 1988, a Disney lançou Oliver & Company - filme que surgiu de uma idéia de Katzenberg. Mas o que marcou realmente foi Uma Cilada para Roger Rabbit. Esse filme, de algum modo, causou um impacto muito forte em Katzenberg. Finalmente, pela primeira vez, ele não era um mero executivo fazendo seu trabalho - ele realmente estava apaixonado pelo o que fazia. A partir daí todos os projetos seguintes tinham um sentido. Com idéias mirabolantes de Katzenberg, e porque não citar Howard Ashman, os animados A Pequena Sereia e A Bela e a Fera viraram clássicos, que aguçaram mentes de milhares de crianças e jovens para a animação. Tendo em mente os musicais da Broadway e histórias românticas, os filmes animados do início dos anos 90 são os mais fabulosos. Com o aumento da demanda de produção, novos executivos foram promovidos, como Thomas Schumacher e Peter Schneider. Com isso outros animados tomaram forma e atraíram muito sucesso reerguendo a Disney - Aladdin e O Rei Leão.
Jeffrey Katzenberg tinha um política cara para o estúdio. Muitas vezes, um personagem ou canção era cortada durante a produção, ou algum personagem como o Chip em A Bela e a Fera era expandido para mais cenas. Coisas que eram caríssimas no orçamento do filme, mas que sempre geravam bons resultados. Jeffrey Katzenberg acabou sendo uma espécie de Walt Disney moderno, uma pessoa importante que guia todo mundo no estúdio.
Eisner por sua vez, criou a sinergia - um sistema que aproveita um produto em todos os setores. Explicando melhor: um filme como O Rei Leão pode gerar mais lucro se lançarem séries na televisão, atrações nos parques temáticos, um musical na Broadway, brinquedos e jogos para as crianças, roupas e acessórios para adultos, além do mercado de vídeo e o fonográfico. Tudo gira em torno de um só produto!
A CRISE DE 1994
Em 1994, a Disney sofreu uma nova crise devido a morte do vice-presidente Frank Wells. A partir daí travou-se uma luta para quem iria ocupar seu posto. O pivô da crise foi justamente Jeffrey Katzenberg. Ele se julgava capaz de ser vice-presidente de um conglomerado gigantesco. Mas Eisner, outros executivos e até mesmo Roy, sabiam que Jeffrey era um homem "criativo", ou seja, seu lugar é num estúdio. Com tudo isso, seguiu-se a demissão de Katzenberg e uma longa batalha bem coberta pela imprensa com Eisner e Katzenberg trocando farpas via imprensa. A briga só acabou quando a Disney pagou uma indenização trabalhista que teria chegado aos US$200 milhões de dólares a Katzenberg - este que por sua vez queria 2% de todo o lucro gerado por todos os filmes que colocou em produção entre 1984 e 1994, o que especula-se giraria em torno de quase meio bilhão de dólares.
A Disney ainda veria o grande sucesso de O Rei Leão, e de outros projetos que passaram pela mão de Katzenberg como principalmente Pocahontas. Numa reestruturação, Thomas Schumacher se tornou presidente da Feature Animation, Peter Schneider também pegou um cargo executivo e Joe Roth subiu ao posto de Katzenberg. Jeffrey Katzenberg por sua vez, co-fundou a DreamWorks SKG junto com Steven Spielberg e David Geffen - fundação esta, que criou um efeito dominó que poderia ter dimensões desconhecidas. Disney e outros estúdios sentiram a pressão, mas o estúdio mais afetado foi a Universal.
Na DreamWorks, Katzenberg criava o seu próprio departamento de animação para concorrer com a Disney. Seu plano: nada mais que provar a Eisner que ele tinha o "toque de ouro" e que era capaz de gerenciar uma grande empresa. Bem, é bom deixar claro que a Dreamworks é um grande estúdio autônomo. Analistas de mercado sempre alertam que se não fossem alguns sucessos e os bons nomes dos fundadores, fatalmente o estúdio seria engolido pelas gigantes. Todos os demais estúdios são protegidos por mega-conglomerados de entretenimento: A Fox é da News Corp., a Columbia é da Sony, a Warner é da Time Warner, e a Disney é .... da Walt Disney Company. A DreamWorks é também vítima de executivos criativos. Spielberg bem que tentou contratar Sid Sheinberg, executivo financeiro da Universal mas não conseguiu. Sem um nome forte na área financeira, o estúdio sempre acumula dívidas, que por sorte sempre são amortizadas graças ao sucesso de filmes como Gladiador e Shrek. Outros endividamentos foram zerados com o fechamento do departamento de TV e de games.
Como se vê, tanto Eisner e Katzenberg saíram feridos com a separação. O Príncipe do Egito (1998) foi criado para ser um marco, mas com certeza o primeiro hit da DreamWorks foi Shrek. É um filme que agradou crítica e público, e acabou acentuando a crise na Disney nos anos seguintes.
A partir de 2000, a Disney já não estava em bons dias. Por quê? Desde que filmes, parques e TV (a rede ABC) começaram a ter resultados abaixo do esperado, Eisner resolveu adotar uma política egocentrista (o que chamam de micro-management). Uma espécie de "Quem dá a palavra final sou eu!". Com isso criou-se outro êxodo, onde desta vez, foram os melhores executivos da empresa que saíram descontentes da empresa. Entre eles estavam Judson Green (grande executivo dos parques), Joe Roth (o então substituto de Katzenberg), além de presidente de vários departamentos. O problema era: como gerenciar algo onde decisões importantesl não podiam ser dadas pelo executivo destacado, e sim relatado ao presidente para a palavra final?
Leia na PARTE II: Leia mais sobre o micro-gerenciamento na Disney, a moral em baixa entre os artistas e a crise criativa e de bilheteria.