A Noiva Cadáver (The Corpse Bride)
Por Celbi Pegoraro (originalmente publicado em 24/10/2005)
A Noiva Cadáver é, sem dúvida, um filme que merece ser conferido pelos amantes da boa animação. Não gosto tanto de comparações mas ela é inevitável. Em "O Estranho Mundo de Jack" (1993), escrito e produzido por Tim Burton e dirigido por Henry Selick, assistimos as proezas de Jack ao tentar sabotar o Natal ao não perceber muito bem porquê as pessoas ficavam tão felizes recebendo presentes e vivendo num clima de alegria. Tudo isso regado a tons irônicos e muito humor negro, além do estilo gótico que é peculiarmente moldado pelo estilo Tim Burton. Outro aspecto importante foi tê-lo produzido em "stop-motion", técnica na qual os bonecos são filmados frame a frame, ou melhor, fotografados quadro a quadro milhares de vezes para cada uma das cenas. Com roteiro bem amarrado, músicas contagiantes de Danny Elfman e um orçamento um tanto quanto generoso (da Disney), o filme (que saiu sob o selo adulto da Disney, Touchstone Pictures) foi lançado e em pouco tempo atingiu o status de cult. E é bom não se enganar. Parece um filme infantil, mas na verdade é muito adulto. Obviamente não no sentido literal de violência ou erotização.
Isso tudo pode ser descrito para "A Noiva Cadáver", desta vez bancado pela Warner (sua distribuidora também) que infelizmente foi lançado nos cinemas brasileiros com muito mais cópias dubladas do que legendadas. O filme, produzido na Inglaterra, agora é dirigido pelo próprio Tim Burton ao lado de Mike Johnson, que fora assistente de animação em O Estranho Mundo de Jack. Burton também é o produtor da fita. No aspecto visual, o animado é basicamente um belo e profundo produto burtoniano. As situações, humor, design dos personagens e cenários, e a própria condição dos personagens nos remete aos antigos filmes do diretor. Daí podemos citar o próprio "O Estranho Mundo de Jack" (1993), Edward Mãos-de-Tesoura (1990), Os Fantasmas se Divertem (1988) e "A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça (1999). Uma característica fundamental desses filmes, vem da própria identificação de Tim Burton com seus protagonistas. Ele adora se identificar com personagens que vivem um conflito agonizante, e é nessa crise que seus filmes acabam funcionando muito bem. Misturam elementos reais e sobrenaturais, combinando situações pseudo-realistas com muito humor negro.
Dito isso, o protagonista segue essa fórmula. Victor Van Dort (voz de Johnny Depp) é o desastrado filho de um comerciante, um novo rico que prosperou com o negócio, que comemora junto a esposa, o noivado do filho com Victoria (Emily Watson), filha de uma família aristocrata falida. O casamento é puramente por conveniência: uma família precisa do dinheiro e outra do status para entrar na sociedade dos ricos. O mundo dos vivos nos é mostrado como um ambiente tétrico, extremamente cinzento, triste e tedioso. Após inúmeros deslizes nos ensaios do casamento, comandado com mão de ferro pelo padre (com a voz de Christopher Lee), Victor foge, e após um incidente na floresta, acaba por aceitar como esposa uma noiva cadáver (voz de Helena Bonham Carter).
A partir daí, Victor é levado para o mundo dos mortos, que graças a imaginação de Burton, é muito mais interessante que o mundo dos vivos. No mundo dos mortos tudo é muito mais colorido, divertido e com situações repletas de piadas e referências. Apesar dos personagens serem interessantes, eles não chegam a ser tão variados quanto os personagens do mundo de Jack (1993). Desse ponto em diante, o filme gira em torno de Victor tentar consertar a situação e retornar ao mundo dos vivos. E por lá as coisas não andam tão bem já que o misterioso Barkis Bittern (voz de Richard E. Grant) tem planos interessantes para Victoria (sua noiva na mundo dos vivos).
Na parte musical, temos uma trilha competente e canções igualmente satisfatórias. O compositor da trilha é Danny Elfman, criador da maioria das trilhas dos filmes de Burton. Ao contrário do musical repleto de canções (mais inspiradas) de Jack, neste filme temos apenas quatro canções. A primeira canção (cantada pelos pais dos noivos) é "According to Plan", tratando dos planos de casamento, que lembra um pouco o estilo de canção de introdução que viria de um filme tradicional (e musical) Disney. "Remains of the Day" é a canção mais maluca e movimentada do filme, sendo um dos cantores uma caveira chamada Bonejangles que possui a voz do próprio Danny Elfman. A seqüência musical explica a história da noiva-cadáver e serve como uma bela introdução ao mundo dos mortos. Destaque para animação primorosa das caveiras. "Tears to Shed" é uma canção mais lenta cantada pela aranha viúva-negra e pelo verme. A quarta e última canção é "The Wedding Song" que é uma espécie de pastiche em forma de opereta, num formato que fãs de animação se acostumaram a ouvir em filmes como "O Corcunda de Notre Dame" (1996) onde as canções são interpretadas por vários personagens.
O argumento é interessante, mas não surpreende tanto quanto se esperava. Chega a ser um tanto óbvio o destino dos personagens. O filme é curto, mas por pouco não se torna arrastado. O que chama atenção realmente é a qualidade técnica da animação "stop-motion" que evoluiu muito nesses últimos anos, e o visual da produção. Vale lembrar que o filme usou um pouco de animação computadorizada para os efeitos e aparentemente animação tradicional para as sombras em uns breves momentos. Alem disso, pela primeira vez usaram câmeras fotográficas digitais para fotografar a animação, ao invés das câmeras tradicionais. Sobre a versão brasileira, gostaria de afirmar que a Delarte fez uma excelente adaptação e as canções estão bem traduzidas. Claro que sempre tem um exagero aqui e acolá, mas o resultado final está acima da média. Sobre o tom do filme: considero o humor negro desse filme até mais pesado que Jack, e o número de piadas mais infantis é quase inexistente. Por isso fica o alerta que este é um filme animado mais adulto. Mesmo assim acredito que muitas crianças podem aproveitar bem a produção. "A Noiva Cadáver" é um filme muito imaginativo, criativo, com tr"ilha muito bem cuidada. Embora tenha seu charme, não se iguala ao peso narrativo de "O Estranho Mundo de Jack.
A Noiva Cadáver (direção de Tim Burton e Mike Johnson) - Warner Bros. Pictures
Produtor: Tim Burton, Allison Abbate e Caroline Thompson; música de Danny Elfman; com as vozes de Johnny Depp, Helena Bonham-Carter, Emily Watson, Tracey Ullman, Paul Whitehouse, Albert Finney e Christopher Lee.