Mulan (1998) - Parte II
Na Parte I discutimos as origens do projeto "Mulan". Agora veremos como foi o desenvolvimento musical e outras curiosidades.
Criando a música certa
"Mulan" poderia ser muito diferente caso mantivesse a estrutura musical originalmente proposta. De início, foram contratados o famoso compositor e letrista Stephen Schwartz para as canções e letras (Schwartz possui entre seus trabalhos, os musicais "Godspell", "Pippin", "Pocahontas", "O Corcunda de Notre Dame" e "Geppeto"). e Rachel Portman para a trilha instrumental (Rachel possui entre seus trabalhos as trilhas de "Emma" e "Chocolat").
Logo que Stephen Schwartz assinou contrato como compositor após seu trabalho conjunto com Alan Menken em "O Corcunda de Notre Dame", ele compôs e apresentou três canções aos produtores de "Mulan". Escreveu uma canção para a cena-chave do filme quando Mulan corta seus cabelos, se transforma em soldado e foge de casa intitulada "Written in Stone" - citada como uma das melhores canções compostas por Schwartz para um animado. Outra composição de Schwartz era uma canção de abertura chamada "Destiny" (Destino), que não chegou a ser concluída. "Destiny" mostraria a sociedade chinesa naquela época - o Imperador, os fazendeiros, os soldados, e o que significava ser uma garota nesta sociedade. A terceira canção era "China Doll", e era bem semelhante a canção (que está no filme) "Honor to Us All", mostrando Mulan se vestindo de noiva e se preparando para encontrar a casamenteira.
Stephen Schwartz se desligou do projeto para trabalhar nas canções de "O Príncipe do Egito" da Dreamworks, visto que a Disney não aceitou o compositor trabalhando em ambos os filmes. Para completar, a compositora Rachel Portman ficou grávida durante a produção, mas não chegou a criar nenhum tema do filme.
Para o lugar de Rachel Portman foi contratado o então veterano compositor Jerry Goldsmith ("Poltergeist", "Gremlins"). Muitas das composições criadas por Goldsmith tornaram-se os temas principais de "Mulan". Existe uma curiosidade em uma das composições. No CD da trilha de "Mulan" existe uma faixa dedicada a "Mulan s Decision", mas não é igual ao tema tocado em sintetizador chamado "Haircut". Ela foi criada para a cena em que Mulan resolve cortar os cabelos e vestir a armadura do pai. A faixa adicional com o tema só existe em CDs lançados em alguns países da Europa e na América Latina, exceto Brasil e EUA. Uma faixa adicional com "Reflection" por Vanessa Mae também fez falta em cds americanos e brasileiros.
Matthew Wilder foi contratado após a saída de Schwartz, quando Thomas Schumacher assistiu em Toronto ao seu musical "Cry to Heaven" baseado num livro de Anne Rice ("Entrevista com o Vampiro") e adorou o trabalho dele. Para quem não sabe, Matthew Wilder é um respeitado cantor e compositor de rock, autor do hit da década de 80 "Break My Stride", produtor de albuns premiados como "Tragic Kingdom" e compositor de musicais. Também compôs a canção "Wild Women Do" cantada por Natalie Cole para a trilha de "Pretty Woman". Em "Mulan", Matthew Wilder emprestou sua voz ao personagem Ling durante a canção "A Girl Worth Fighting For". David Zippel contribuiu criando letras para vários musicais off-Broadway como "Diamonds and A... My name is Alice", antes de compor as letras para grandes musicais da Broadway como "City of Angels" e "The Goodbye Girl". Zippel também também trabalhou nos animados "The Swan Princess" e "Hercules" (este último da própria Disney).
Devido a mais alterações no roteiro, algumas canções de Matthew Wilder e David Zippel também foram cortadas. Entre elas havia um dueto entre Shang e Mulan que tocaria no meio do filme. Nessa canção, Shang pensaria sobre a vontade de encontrar alguém para amar enquanto Mulan, como Ping, pensaria que Shang poderia amá-la se soubesse de sua verdadeira identidade (num estilo igual a canção cortada de "Kingdom of the Sun", "One Day She ll Love Me"), e uma versão inicial de "Reflection" chamada "Mulan s Reflection", que era bem maior que a do filme e tinha um refrão totalmente diferente.
Cerca de seis canções foram cortadas durante todo o projeto, mas a que deu mais trabalho foi uma de Wilder e Zippel para o dragão Mushu. Inicialmente Joe Pesci e David Hyde Pierce (o Niles de "Frasier") fizeram audições para o papel de Mushu, mas quando Eddie Murphy assinou o contrato, foi inevitável que houvesse uma canção cômica. A idéia era usar a canção como apresentação de Mushu para Mulan. Primeiro criaram uma canção no estilo Ray Charles. Os diretores então sugeriram algo cheio de paródia do tipo James Brown, uma canção com muito soul. O problema é que o resultado foi desastroso. Tom Schumacher e os próprios compositores não gostaram da canção finalizada. A dupla trabalhou mais uma vez a canção criando "Trust Me Babe", que todos adoraram. A canção foi gravada e um storyboard foi criado para a cena inteira. O problema surgiu quando os diretores notaram que a canção estava tornando o filme mais lento, algo que não estava ajudando no "contar a história". No fim, a canção foi descartada pouco antes de Eddie Murphy gravá-la para o filme. Mesmo assim, uma pequena parte das letras de "Trust Me Babe" foram reutilizadas na cena em que Mushu, ou melhor a sombra dele, se apresenta para Mulan com voz de pregador.
CENAS CORTADAS
Uma das cenas mais problemáticas do filme foi a abertura. Dezenas de idéias foram sugeridas, incluindo uma em que o imperador tem um pesadelo com um gigantesco monstro que destrói a cidade ao som de uma grande trilha musical. Os produtores decidiram que morte e violência não eram o modo certo de abrir um filme Disney. Uma das idéias que chegou a ser animada e finalizada é remanescente de "O Corcunda de Notre Dame". A cena mostra um teatro cujo bonecos formam sombras numa tela, dramatizando o ataque dos hunos e a necessidade da construção da grande Muralha da China. De repente, no meio da performance, os hunos invadem o teatro e cortam a tela.
Sendo um filme de guerra, podemos dizer que "Mulan" é um dos filmes menos violentos da história do cinema. A idéia era não criar um filme violento, e algumas mudanças foram feitas. Quando assistimos o início de "Mulan" vemos os hunos invadindo a Muralha da China. Um dos soldados consegue chegar a torre e acende a pira alertando outros sentinelas da Muralha. Nessa hora Shan-Yu "parece" contente por saber que agora toda a China sabe que ele está na Muralha. A cena acaba num close da face do vilão quando ele diz "Perfect" e a cena é cortada abruptamente para o Palácio do Imperador. Foram cortados apenas 2 segundos de filme que poderiam impressionar o público logo no início do filme. Na cena em questão, vemos Shan-Yu pegando a bandeira imperial, inclinando-a sobre a pira queimando-a totalmente. O que o público não viu, é que a cena terminava após ele fincar a bandeira em chamas no soldado que está a sua frente. Na verdade, só ouviríamos o grito do soldado quando a tela escurece, bem similar a outra cena quando um dos hunos dá uma flechada em um dos soldados chineses.
Alguns cortes significantes ocorreram logo que Mulan se junta ao exército chinês. Algumas cenas foram criadas onde Mulan entra num lugar onde os soldados estão se trocando e tomando banho, o que faz com que a heroína fique um tanto nervosa. Existiam tantas piadas indelicadas que a cena foi descartada antes de ser finalizada. Próximo ao fim da produção, a cena final teve que ser reanimada. A cena original mostrava Mushu retornando ao templo da família como novo guardião. Numa confraternização, todos os guardiões em pedra tomam vida e dançam junto com Mushu. Havia um pensamento no estúdio de que as pessoas poderiam não reconhecer os personagens, já que eles aparecem numa curta cena na reunião dos ancestrais. No final, Joe Roth (na época presidente geral dos estúdios Disney) sugeriu que a festa de Mushu fosse com os ancestrais, que já haviam sido apresentados antes e já possuíam personalidades definidas. E foi assim que uma nova cena teve que ser produzida poucos meses antes do lançamento oficial do filme.
CURIOSIDADES
- Um dos fatos curiosos em "Mulan" ocorreu durante a produção da cena em que Yao, Ling e Chie-Po tiram as roupas e vão tomar banho em um rio junto com Mulan. Os executivos ficaram tão paranóicos que uma reunião foi marcada especialmente para determinar exatamente o que poderia ser mostrado e quão próximo Mulan poderia ficar dos soldados. Aliás, os próprios supervisores dos soldados, Broose Johnson e Aaron Blaise, foram responsáveis pela animação da cena inteira. Como precaução adicional, o presidente da Feature Animation, Thomas Schumacher, inspecionou cada frame para verificar se tudo estava em ordem. A intenção era se prevenir contra qualquer crítica em relação aos personagens nus.
- Existiu um processo contra a Disney pelo uso do nome Ping (o processo depois foi cancelado).
- O filme teve vários títulos, entre eles: "China Doll", "Fa Mulan", "The Legend of Fa Mulan", "The Legend of Mulan" e, finalmente, "Mulan".
- "Mulan" foi o primeiro filme onde os artistas trabalharam via video-conferência entre os estúdios de Orlando-Florida e Burbank. Foram usados 27.780 lápis para produzir a animação do filme. Mark Henn, animador responsável por Mulan, havia antes trabalhado com outras princesas como Ariel, Belle e Jasmine. Já Chris Sanders, supervisor da história no filme, seria promovido logo a seguir escrevendo, desenhando e dirigindo "Lilo e Stitch". O grilo Cri-kee (ou Gri-li na versão nacional) foi criado por Joe Grant.
Na Parte III veja a ficha técnica e dados de bilheteria de "Mulan".